quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O novo velho amor

Pra Ouvir

Jurou que era verdade, enquanto ele lhe virava as costas respirando profundamente. E ela tremia em choro, jurando que cada palavra carregava tudo que fazia parte dela.
Ele não entendia o que havia acontecido naqueles últimos anos que agora pareciam tão diferente snas palavras daquela mulher. Cadê a raiva? Cadê a mágoa de quem foi abandonada e traída em tantas palavras fajutas? Cadê aquela mulher arisca e impermeável que ele tentou tantas vezes convencer que amava? Aquela mulher ferida agora dissolvia em prantos saudosistas relembrando uma história feliz que nunca havia contado antes. Ele se virou para olhá-la e naquelas palavras de amor ele se questionava, a questionava e nada entendia. Era como se tudo se silenciasse enquanto aquela nova pessoa nascia diante de seus olhos trazendo um passado do qual ele fez parte sem nunca ter se dado conta.
Onde ela escondeu tanta paixão? Onde por tanto tempo ela guardou aquela felicidade? Quando havia se sentido tão completa ao lado dele? Ele remexia as lembranças e não encontrava nada que fosse além das queixas de insatisfação e das brigas apontando-o como culpado de todas as malárias do mundo. Foi ela quem o ajudou a reconhecer-se como canalha, ele lembra bem. Foi nas palavras dela que ele percebeu que nunca a mereceu e que jamais poderia fazê-la feliz. Como ela pôde ter mudado de idéia tão radicalmente? E como ela pôde ter escondido dele que no fundo nunca soube o que fazia no meio daquele amor? Porque nunca o pediu ajuda?
E enquanto o mundo girava silenciosa e lentamente, ele lia naqueles lábios trêmulos um "eu te amo" com uma intensidade inédita e se condoia de que isso soasse tão inédito assim. Tentava pedir desculpas enquanto ela perguntava se ele estava mesmo escutando tudo que dizia pra ele. Mas nada fora ouvido por ele com tamanho volume, como se naquele momento a voz daquela mulher houvesse se multiplicado centenas de vezes, vibrando uma surpresa comovente. "Não é descrédito, acredita", mas ela chorava cada vez mais, lamentando uma imensidão de medos.
Como acreditar que dizer a verdade agora não significa ter mentido antes? E ele esfregava os olhos esperando desfazer as sombras daqueles dias ditos tristes que não encaixavam na cena de agora. Pedia a Deus uma orientação, queria entender suas próprias contradições e tudo que lhe restava era a dúvida de quem sempre houvera sido, de fato, para aquela mulher. Ele a amou tanto, ele a amou até o exato minuto em que ela passou por aquela porta antes de dizer qualquer palavra, a amou inteiramente enquanto sentava-se naquele sofá, diante dele, com olhos avermelhados e trêmulos. Ele a amou enquanto esperava que ela chorasse de raiva de tudo que foi feito do amor que ela o entregou. Nas palavras de ódio dela, ele conseguia destacar que era profundamente apaixonado por cada dia em que viveram juntos. A mágoa dela fazia a felicidade, que nunca se perdeu pra ele, dilatar continuamente em sua lembrança, como num contraste. Ele conseguia ver, nitidamente, em meio a dor que ela trazia, que havia um equivoco nas palavras dela, que era de amor que ele vivia para ela.
Mas, e agora? E agora que ela entornava uma paixão sem reservas? E agora que ele não reconhecia mais de qual história de fato houvera feito parte? Foi mesmo aquela mulher que viveu infinitos dias ao lado dele? E de onde veio essa que está sentada diante dele? Onde, naquele passado imenso, ele cruzou com ela? Onde se perdeu dela? Tantas eram as perguntas, que silenciaram-se as respostas, mesmo diante da angústia de vê-la ali tão ansiosa por um caminho pra seguir. Ele queria abraçá-la forte, mas e se essa também não for quem ela de fato é? "Será que em alguns anos ela pode sentar-se novamente diante de mim pra chorar outro formato de amor? E será que ela sempre o amou ou somente agora esse coração permitiu-se bater por mim?"
Ela prometia fazer diferente, garantia que ainda havia muito pra comemorar ao lado dele e que guardava pra ele muitos risos e abraços aconchegantes. Animada, parecia visualizar cada cena de felicidade, cada dia que amanhecia entre os braços dele, cada plano de dias seguintes. "Não houve um dia, um único dia, no qual eu deixei de te amar." E ele riu, riu como uma criança que carrega em si aquela esperança inocente e generosa. Ele riu sentindo um desejo imenso de retê-la num abraço eterno, de cuidar pra que aquela mulher jamais pudesse chorar novamente, que não de alegria. E vibrou por dentro, olhando naqueles olhos trêmulos e avermelhados, imersos em lágrimas, e no fundo daquele medo de perdê-lo ele a encontrou. Suspirou aliviado e, apertando-a contra o peito ele disse: que bom que te encontrei, enfim!

Texto: Carina Mota

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