sábado, 7 de agosto de 2010

O amor, o tempo e a realidade.


Foi no colégio onde, pela primeira vez, ele a viu passar e automaticamente teve certeza de que faria parte de sua vida para sempre. Pouco simpática, ela mal permitia que ele lançasse seus olhares derramando subliminaridades. Mas ela sentia que logo perderia a vontade de resistir tanto.
O primeiro beijo teve gosto de paixão colegial, daquelas que nos pedem beliscões para garantir se é tudo real. E ele sentiu a tal realidade virar sonho ao lado daquela menina. Uma mágica que encantou qualquer um que não fosse ela. Tão jovem e já descrente do amor.
Os anos passaram sem permitir que eles se separassem, e ela sem permitir que ficassem juntos. Muitas declarações, pouco convencimento. Ele era um garoto jovem, curioso e cheio de uma liberdade que a desagradava. Mas mantinha-se apaixonado. Como num paradoxo ela o amava cada dia mais e o queria cada dia menos. E ele revelava-se um canalha cada vez mais perdido de paixão.

Deixaram de ser criança, renderam-se um ao outro. Viveram um romance visceral, costurado pelas ambiguidades de um amor bipolar. Se amavam tanto que chegavam a se odiar. Idênticos, se diziam incompatíveis. Dizem que assusta muito ver no outro aquilo que é seu. Foram rios de lágrimas derramando alegrias e tristezas, foram incontáveis orações de agradecimento e pedido de socorro divino. Eles foram tão deles que o mundo não conseguia enxergar o que os mantinham tão enlaçados, tão envolvidos.
Mas nem só de amor vive um amor. Expulsaram-se com mágoa, arrependeram-se com dor. Nada era suficientemente claro para os dois. Agora eram mais dúvidas do que certezas e, na dúvida, tocaram vidas diferentes. Borraram um amor pintado a jatos de tinta óleo, desfiguraram a si perante o outro. E do amor brotaram decepções, traições, vinganças, desilusões. Sapatearam o passado, estracinharam os caminhos para o futuro. E ali ele se revelou um perverso. Abusou de provocações, destruiu o auto-conceito dela e o conceito dela sobre ele. Naqueles anos o amor surgia nele quase que como uma prosopopéia. Como numa montanha-russa, ela foi do ódio máximo e do amor pleno, à total indiferença e absoluta negligência afetiva. Ele subverteu o amor dos dois. Ela subverteu a existência dele. Mas sempre voltava, agarrada por trás por um sentimento desvanecido.
Anos tantos se passaram desde que ele a disse que esperasse a hora certa chegar, até que ele sentiu que não podia mais perder tempo. Viveu dias insanos longe de um amor intenso, trocou nomes na sua cama, colecionou suores no seu lençól. Queria uma vida de aventuras, mas jamais jogou-se em nada do que estava vivendo. Curtiu relacionamentos sempre do lado de fora, perdeu a conta de quantas histórias marginalizou. Fora desejado por muitas, conquistado por todas, saciado por nenhuma. Nesse período ela muito insistiu, falou de um amor tão nobre que o assustou. Sabia que dentre todas, somente a ela ele se misturava de fato. Mas ele achava que seria precoce trocar todas por uma. Desejava esgotar seus desejos vazios antes de entregar-se àquela que seria a idealizadora da felicidade plena. E agora era chegada a hora de buscar a estabilidade no amor da mulher a quem sempre pertenceu.
Há muito já vinha sonhando todas as noites com beijos paternais na barriga dela, com alianças no dedo da mão esquerda dos dois, ela com um sobrenome a mais, ele com uma vida inteira naquele sorriso matinal. Acordava sempre instigado e risonho. Não havia mais dúvidas. A garota do colégio precisava descobrir que aquilo pelo qual tanto lutou com veemência fora conquistado com completude.
Ele ensaiou das mais belas declarações, o pedido para juntar-se a ele seria o desfecho perfeito para que ela notasse que era pra valer. Comprou-lhe as orquídeas preferidas e enquanto dirigia até a nova cidade da amada, previa cada reação de êxtase, olhos vazando comemorações, braços apertando forte aquele pelo qual ela esperou por anos, convicta de que seria do lado dele que viveria os últimos dias de sua existência. "Estava escrito, sabia que seria assim", ele a via dizer, do fundo do seu pensamento.
Estacionou o carro no endereço dela e seguiu vibrante em direção ao primeiro passo de uma nova vida. O mundo parou de girar quando, ao tocar a campainha, ela respondeu de dentro de casa, confirmando que logo ele realizaria o sonho mais esperado de toda sua vida. E chorou ao ver o sorriso mais iluminado aparecer gradativamente a medida que a porta se abria. Era ela, a garota do seu amor colegial. O segundo se congelou para que ele reconhecesse cada traço daquele rosto e relembrasse de todas as reações de alegria, tristeza, raiva, gozo que ele viu por tantas e tantas vezes sem jamais enjoar. E soltou o ar, liberando que o segundo pudesse correr e fazer a realidade rodar.
Ela, inerte e descrente do que via, não pensava em nada além de uma frase compulsivamente repetitiva: "tantos anos! tanto anos! tantos anos!". E quando ele puxava as flores para entregá-la, o sorriso iluminado se apagava no rosto dela a medida que, num ato instintivo, sua mão esquerda era levada à altura da barriga.
Flores caindo no chão, ele viu ali seu tão repetido sonho concretizado: a barriga dela, aliança no dedo da mão esquerda, um sobrenome a mais... outro homem acabara de realizar sua vida ao lado da única mulher que amou.
Cruel como só a realidade sabe ser, ficou claro que os anos em que ele só desejou se perder o fizeram perdê-la para outro. O tempo, faminto e atroz, devorou toda e qualquer esperança daquela mulher sobre aquele homem. Não sobrara uma migalha, nem um vestígio sequer era presente naquele olhar vazio. E girando a cabeça para cada lado, ela lentamente fechou a porta para ele... da sua casa e da sua vida. Definitivamente.

Texto: Carina Mota

Um comentário:

  1. Caralhoooo manzinhaa!!! Sem palavrass... ta entre um dos melhores que já li!! Vi um filmee na cabeça, com direito aos personagens reais da história!! Nãooo... vc é incrívell!! Meu orgulho nipônico!!! Te amo

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